“O mal do urubu é achar que o boi está morto.” Já ouviu esse dito popular? Usado muito pra definir pessoas má intencionadas esperando dar o bote em alguém num estágio de declínio, agonizando ante à morte por exemplo. A descrição pejorativa até que é bem apropriada mesmo. Em áreas de pastos onde a pecuária é comum, essa espécie, o urubu geralmente existe aos bandos. E se um animal de criação, um gado, der evidências de agonia, exaustão ou similar, essas aves logo se aproximam furtivamente. E se estiverem famintas, são capazes de investir contra o animal desfalecendo, com bicadas doloridas, já ansiosos pra lhe arrancarem as vísceras.
E há um dentre esses que, se estiver por perto, ganha prioridade. Os outros se afastam para que ele possa primeiro fazer as honras. O temido Urubu Rei.
Um Rapinante de Respeito entre as Espécies
O urubu rei não está listado entre as grandes aves de rapina classificadas no mundo mas, entre a sua própria espécie, mais especificamente entre ele e as outras quatro espécies que compõem esse subgrupo de rapinantes, nesse meio ele é sem dúvida a ave mais poderosa. Em relação a esses o urubu rei é imponente podendo medir até 90 centímetros de comprimento, com uma envergadura de até 1,80 metros. Seu nome popular é justamente associado a postura que os outros da espécie adotam quando ele chega pra se alimentar.
Costumam se manter afastados respeitosamente esperando que o urubu rei fique primeiro saciado para depois comerem suas sobras. Dados de pesquisa indicam, porém, que essa preferência lhe é dada por seu poderoso bico, capaz de romper carcaças de animais mortos com muito mais eficácia que a dos outros urubus. Apesar da hierarquia é sociável, sempre permitindo aos outros da espécie o deleite das refeições.
O Urubu Rei é Mesmo um Urubu ou um Condor?
Na verdade, há ainda algumas controvérsias a respeito da classificação científica dessa espécie. Baseado em características de formação de seu crânio, o urubu rei é mais associado de fato ao condor. Digamos que é uma espécie de irmão bastardo do condor dos andes ou do condor da califórnia. Mas mesmo estes condores são classificados entre as sete espécies de urubus das Américas.
De Onde Veio o Urubu Rei
Apesar de ser considerado brasileiro por sua densidade populacional maior em nossa região, estudos de fósseis revelaram que seu habitat original consta de florestas tropicais secas e úmidas de várzea e outras áreas arborizadas e colinas pré-montanhosas do sul do México ao norte da Argentina e norte do Uruguai. Ao longo da história, registros comprovaram ocorrências de possíveis colonizações em outras partes das Américas, como em Cuba e nos Estados Unidos. Mas é aqui mesmo, no Brasil, em que atualmente são encontrado a maior incidência da espécie, principalmente nas regiões norte, nordeste e centro oeste do país.
As Preferências de sua Majestade
Apesar da abrangência geográfica de grande extensão, o urubu rei não é do tipo territorial e muito menos migratório. Sua movimentação mesmo por grandes distâncias se dá basicamente em busca de alimentação. Habita florestas tropicais secas e úmidas de várzea e outras áreas arborizadas e colinas pré-montanhosas, geralmente bem longe de habitações humanas. No entanto, eles podem expandir-se mais amplamente em direções diferentes em sua extensão, em florestas parcialmente abertas, pastagens costeiras, estepes, savanas e fazendas de gado.
São catadores e se alimentam de carcaças de muitos tamanhos, desde peixes mortos, lagartos, preguiças e macacos até o gado. Como pode perceber, o urubu rei é carnívoro, mas quase nunca mata para sobreviver. Sua preferência é carne de animais mortos, mesmo já em estado de composição. Nem se preocupam com toxinas ou infecções nos alimentos cadavéricos pois, aparentemente, são imunes a isso. Alguns relataram que matam pequenos répteis, animais feridos e bezerros recém-nascidos, mas já ficou provado que precisam estar desesperadoramente famintos pra chegarem a tal ponto.
Ainda sobre seus hábitos alimentares é notório observar que o urubu rei nem sempre procura ele mesmo a comida. Sobrevoa mais alto que os outros espécies de urubus, na expectativa de segui-los enquanto eles farejam em busca de alimentos e encontrem, esperando que “ponham a mesa” pra ele, reivindicando seu direito de comer primeiro. Apesar dessa socialização na hora do almoço, o urubu rei é tido como solitário.
São geralmente vistos sozinhos ou em pequenos grupos, quase sempre de no máximo dois até quatro. Seus momentos de maior socialização é mesmo pra comer ou para se acasalar. Não costuma ser visto a noite. É uma ave diurna, especialmente logo ao nascer do Sol. Em geral vive sob copa de arvores mais altas,´pousado quieto e taciturno sobre um galho, onde costuma dormir. Se algo o incomodar, abaixa e reclina a cabeça com redobrada atenção, começa a bufar e cuspir/vomitar se sentir ameaçado e, se isso não resolver, usa suas garras e principalmente seu poderoso bico para se defender.
Perigo de Extinção
Existem três principais situações que colocam a sobrevivência do urubu rei em perigo: a caça predatória, a destruição de seu habitat e sua lenta reprodução natural.
Apesar da caça do urubu rei ser proibida no Brasil, essa ave é visada por inescrupulosos caçadores e receptadores de animais para troféus simplesmente por sua beleza. Com a plumagem branca e preta, com a parte inferior branca e a parte externa com asas e caudas negras, um pescoço desnudo multicolorido com tons amarelos, vermelho e laranja, sua imagem atrai colecionadores no mundo todo.
Depois que atinge a fase adulta, pronto pra o acasalamento, por volta dos 03 anos de vida, o urubu rei busca com sua parceira ninhos em lugares protegidos no chão, em árvores ou encostas de morros. O urubu rei é monogâmico e permanece junto a sua parceira até a postura de ovos que nunca passam de apenas um ou dois ovos. Levam cerca de dois meses até o ovo eclodir e nascer o filhote, que demora em média seis meses totalmente dependente dos pais antes de se tornar um urubu rei independente. Todo esse processo longo de cuidados ao filhote, aliado a monogamia da espécie e a baixa produção de ovos é um fator que dificulta a proliferação do urubu rei.
Como já mencionado anteriormente, a área de movimentação do urubu rei apesar de extensa depende essencialmente de serem matas tropicais com campos e pastagens e, claro, vasta habitação de animais. Nunca são vistos em áreas urbanas ou desérticas. Portanto, a devastação recorrente de florestas e zonas rurais com desmatamento e construções civis, degradando seu habitat natural tem diminuído exponencialmente sua espécie em algumas regiões. Com base nas determinações da perda de habitat, por exemplo, estimaram que 50% ou mais de sua população foi perdida no México durante o último século.
Portanto, pesquisas futuras devem ser focadas na biologia reprodutiva do urubu rei, na dinâmica populacional e na demografia, para se confirmar com exatidão até que ponto é preciso se preocupar com este tema e que providências podem ser tomadas para prevenir maiores riscos a essa ave tão espetacular.