Se você gosta de uma boa fábula com moral, aqui vai uma de arrancar lágrimas dos olhos, que explicará por que o pelicano pertence à simbologia da Igreja Católica.
A Lenda
Conta uma lenda antiga que um pelicano afastou-se de seu ninho em busca de alimento para si mesmo e para seus pequenos filhotes, ainda incapazes de prover o próprio sustento e de defender-se.
Ao retornar com comida, horas mais tarde, ele descobriu que um predador qualquer havia encontrado seu ninho e atacado seus filhotes, matando-os e devorando-os. Ali, onde os havia deixado, restavam apenas os ossos dos seus adorados filhos.
Incapaz até de mover-se de tanta dor, ficou em seu ninho chorando por horas, até que suas lágrimas secaram. Querendo ainda demonstrar sua dor e não tendo mais lágrimas, bicou o próprio peito até que seu sangue fluísse sobre as carcaças de seus amados filhos, disposto a morrer por tê-los perdido.
Absorto em seu desespero, nem percebeu inicialmente que o sangue que vertia aos poucos ia reconstituindo os corpos de seus filhos e devolvendo-lhes a vida. O sangue do seu sacrifício, prova do seu amor incondicional, havia devolvido a vida de sua família.
Altruísmo na mais Alta Forma
A lenda do pelicano que você acaba de ler é usada por muitas culturas e por muitos grupos místicos e esotéricos para representar o altruísmo, a capacidade de sacrificar-se pelos outros, em sua forma mais alta. Afinal, ao bicar o próprio peito a ave estava disposta a morrer pela vida de seus filhotes, em um sacrifício definitivo.
Todos nós mostramos sinais de altruísmo em maior ou menor escala. Mas há pessoas que se superam nisso de forma marcante.
No dia vinte e sete de agosto de 1977 o sargento Silvio Delmar Hollembach, que visitava o zoológico de Brasília com sua família, ouviu os gritos de um garoto de treze anos que havia, acidentalmente, caído no fosso das ariranhas. Esse animal carnívoro em geral é dócil e não ataca seres humanos, mas havia filhotes pequenos no fosso e as ariranhas devem ter sentido a invasão como uma ameaça, atacando o garoto. Destemidamente o sargento Silvio saltou no fosso e conseguiu resgatar o garoto, mas saiu de lá bastante machucado, com mais de cem mordidas pelo corpo, morrendo três dias depois em consequência de uma infecção generalizada. O zoológico de Brasília hoje tem seu nome, em uma homenagem muito merecida pela sua bravura.
Exemplos como o do sargento Silvio Hollembach são sempre honrados em função justamente do altruísmo. Da mesma forma, várias grupos honraram, no decorrer dos séculos, o altruísmo do pelicano da nossa lenda.
Rosa Cruzes, Maçons e Cátaros
A Antiga e Mística Ordem Rosa Cruz começou como uma ordem de alquimistas. Eles acreditavam em coisas como a transmutação da matéria e a regeneração da carne através de processos alquímicos. Para eles o pelicano, em função da nossa lenda, era um símbolo da regeneração alquímica da vida. Afinal, foi a combinação das lágrimas de dor com o sangue do sacrifício que restaurou os corpos e a vida dos pequenos pelicanos daquele ninho.
Na Maçonaria, uma sociedade discreta de homens livres e de bons costumes que se utiliza de símbolos para transmitir seus ensinamentos, o décimo oitavo grau do Rito Escocês Antigo e Aceito é conhecido como Cavaleiro Rosa Cruz ou Cavaleiro do Pelicano.
Os cátaros formavam um grupo religioso que se concentrava em algumas cidades do Sul da França, na região hoje conhecida como Languedoc, parte da então Occitânia. Eles chamavam a si mesmos de “popellicans”, uma mistura das palavras francesas ‘pope’ (pai) e ‘pellican’ (pelicano), identificando-se assim com o pai pelicano da nossa lenda. O termo ‘cátaro’ vem do grego ‘cataroi’, que significa ‘puros’. Eles acreditavam que eram os representantes do cristianismo puro, negavam a divindade de Jesus Cristo e recusavam-se a reconhecer o batismo católico como instrumento de salvação. Eles diziam que os padres católicos eram os predadores da lenda, que devoravam tudo de seus fieis, deixando apenas os ossos.
Os cátaros foram extintos no século XIII por uma cruzada patrocinada pela Igreja Católica, que os considerava hereges por causa de seus ensinamentos, que afrontavam as doutrinas católicas. Há uma história muito peculiar sobre essa cruzada. Contam que após a queda da cidade de Beziers, a última cidade dos cátaros que resistiu aos exércitos da Igreja Católica, o comandante da tropa perguntou ao cardeal Arnaldo Amalrico, que o papa havia incumbido da missão de destruir os cátaros, o que deviam fazer para distinguir os verdadeiros católicos misturados entre os hereges cátaros da cidade. O cardeal teria respondido: “Matem todos, pois Deus saberá reconhecer os seus”.
O que Significa o Pelicano na Igreja Católica? Por que é Usado?
Apesar de ter combatido os cátaros firmemente, a Igreja Católica também usava na época, e ainda usa nos dias de hoje, o simbolismo do pelicano da nossa lenda. Para o Catolicismo o pelicano representa o Jesus Eucarístico, ou seja, o Jesus que oferece seu corpo e seu sangue para que seus filhos possam viver.
“Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia.” (João 6:54)
Esse é um dos versículos bíblicos que amparam o rito católico da comunhão, quando o pão e o vinho oferecidos pelo sacerdote tornam-se o corpo e o sangue de Jesus Cristo, sendo então consumidos pelos fieis em busca da vida eterna que, no Catolicismo, acontecerá após uma ressurreição da carne, ou seja, após uma regeneração do corpo físico pela obra de Deus. Exatamente como os filhotes do pelicano da lenda foram regenerados e reviveram.
São Jerônimo, do século IV, um dos patriarcas da Igreja Católica, fala de si mesmo como um “pelicano do deserto que fustiga seu peito para alimentar suas crias” em um dos seus escritos.
São Tomás de Aquino, um dos maiores pensadores da Igreja Católica de todos os tempos, também fala em vários de seus escritos sobre essa figura do pelicano que alimenta os filhos com o sangue e a carne, comparando-o a Jesus Cristo.
É por esse motivo que tantos brasões católicos terão o símbolo do pelicano heráldico. Entre estes está o do Cardeal conservador George Pell. Também os escudos das faculdades Corpus Christi de Cambridge e de Oxford contém a imagem do pelicano, já que essas faculdades foram fundadas por ordens religiosas católicas.
O Pelicano
Pertencentes à família Pelicanidae, os pelicanos são aves grandes cuja principais características são o bico longo e a bolsa na garganta. E é nesta bolsa que reside, talvez, a origem da nossa lenda. Embora a bolsa sirva mais para drenar a água capturada junto com a presa antes de engoli-la, ela serve também para levar comida para os filhotes que ainda não deixaram o ninho e não se alimentam sozinhos.
Ao curvar o pescoço para lançar o alimento para seus filhos, ele encosta o bico no peito, dando a impressão de estar alimentando eles do seu próprio peito. Talvez daí venha a fama de altruísmo dessa bela ave.